Dedico este Blog a minha maior inspiração, Juliana Peixoto.

terça-feira, 19 de agosto de 2008

A Hora Íntima




Quem pagará o enterro e as flores
Se eu me morrer de amores?
Quem, dentre amigos, tão amigo
Para estar no caixão comigo?
Quem, em meio ao funeral
Dirá de mim: — Nunca fez mal...
Quem, bêbado, chorará em voz alta
De não me ter trazido nada?
Quem virá despetalar pétalas
No meu túmulo de poeta?
Quem jogará timidamente
Na terra um grão de semente?
Quem elevará o olhar covarde
Até a estrela da tarde?
Quem me dirá palavras mágicas
Capazes de empalidecer o mármore?
Quem, oculta em véus escuros
Se crucificará nos muros?
Quem, macerada de desgosto
Sorrirá: — Rei morto, rei posto...
Quantas, debruçadas sobre o báratro
Sentirão as dores do parto?
Qual a que, branca de receio
Tocará o botão do seio?
Quem, louca, se jogará de bruços
A soluçar tantos soluços
Que há de despertar receios?
Quantos, os maxilares contraídos
O sangue a pulsar nas cicatrizes
Dirão: — Foi um doido amigo...
Quem, criança, olhando a terra
Ao ver movimentar-se um verme
Observará um ar de critério?
Quem, em circunstância oficial
Há de propor meu pedestal?
Quais os que, vindos da montanha
Terão circunspecção tamanha
Que eu hei de rir branco de cal?
Qual a que, o rosto sulcado de vento
Lançara um punhado de sal
Na minha cova de cimento?
Quem cantará canções de amigo
No dia do meu funeral?
Qual a que não estará presente
Por motivo circunstancial?
Quem cravará no seio duro
Uma lâmina enferrujada?
Quem, em seu verbo inconsútil
Há de orar: — Deus o tenha em sua guarda.
Qual o amigo que a sós consigo
Pensará: — Não há de ser nada...
Quem será a estranha figura
A um tronco de árvore encostada
Com um olhar frio e um ar de dúvida?
Quem se abraçará comigo
Que terá de ser arrancada?
Quem vai pagar o enterro e as flores
Se eu me morrer de amores?

Rio, 1950

Texto extraído do livro "Vinicius de Moraes - Poesia Completa e Prosa", Editora Nova Aguilar - Rio, 1998, pág. 455.

Imagem de Carlos Botelho, O Pensador;


É com muita humildade que peço emprestado ao eterno mestre Vinicius de Moraes o título deste cantinho de reflexão. Tantas dúvidas e sentimentos a ferver desenfreadamente, muitas vezes, congestionam minha mente. E só as palavras são, de fato, capazes de compreender tudo aquilo que sinto, ao mesmo tempo em que me libertam.

4 comentários:

Unknown disse...

Vinícius que me perdoe, mas em primeiro lugar sou fã desse tal de Carlos Eduardo...Saber que o encanto não está ausente, pelo contrário, mais perto de nossos espíritos que clamam por palavras tão belas que este novo poeta pode nos proporcionar.
Para os que possuem essa capacidade de encantamento, este blog será um bom meio.

Olha,quando eu crescer quero ser igual a "tu" visse???

Bj, irmão!

Dudu Mélo disse...

Valeu, Marys!
TE AMO

Lucas Brandão disse...

Amigos não se vão.
Apenas se eternização.
Nada adianta: Rir ou chorar..

Dudu Mélo disse...

Principalmente amigos como você.
Muito obrigado, meu grande amigo.
Eterno Wally.